domingo, 9 de agosto de 2009

Tenho muito o que aprender (parte II)

O que valeu a pena hoje?

Sempre tem alguma coisa. Um telefonema. Um filme... Paulo Mendes Campos, em uma de suas crônicas reunidas no livro "O Amor Acaba", diz que devemos nos empenhar em não deixar o dia partir inutilmente.
Eu tenho, há anos, isso como lema. É pieguice, mas antes de dormir, quando o dia que passou está dando o prefixo e saindo do ar, eu penso: o que valeu a pena hoje?
Sempre tem alguma coisa. Uma proposta de trabalho. Um telefonema. Um filme. Um corte de cabelo que deu certo.
Até uma briga pode ter sido útil, caso tenha iluminado o que andava escuro dentro da gente.
Já para algumas pessoas, ganhar o dia é ganhar mesmo: ganhar um aumento, ganhar na loteria, ganhar um pedido de casamento, ganhar uma licitação, ganhar uma partida. Mas para quem valoriza apenas as megavitórias, sobram centenas de outros dias em que, aparentemente, nada acontece, e geralmente são essas pessoas que vivem dizendo que a vida não é boa, e seguem cultivando sua angústia existencial com carinho e uísque, mesmo já tendo seu superapartamento, sua bela esposa, seu carro do ano e um salário aditivado.
Nas últimas semanas, meus dias foram salvos por detalhes.
Uma segunda-feira valeu por um programa de rádio que fez um tributo aos Beatles e que me arrepiou, me transportou para uma época legal da vida, me fez querer dividir aquele momento com pessoas que são importantes pra mim.
Na terça, meu dia não foi em vão porque uma pessoa que amo muito recebeu um diagnóstico positivo de uma doença que poderia ser mais séria.
Na quarta, o dia foi ganho porque o aluno de uma escola me pediu para tirar uma foto com ele.
Na quinta, uma amiga que eu não via há meses ligou me convidando para almoçar.
Na sexta, o dia não partiu inutilmente, só por causa de um cachorro-quente.
E assim correm os dias, presenteando a gente com uma música, um crepúsculo, um instante especial que acaba compensando 24 horas banais.
Claro que tem dias que não servem pra nada, dias em que ninguém nos surpreende, o trabalho não rende e as horas se arrastam melancólicas, sem falar naqueles dias em que tudo dá errado: batemos o carro, perdemos um cliente e o encontro da noite é desmarcado. Pois estou pra dizer que até a tristeza pode tornar um dia especial, só que não ficaremos sabendo disso na hora, e sim lá adiante, naquele lugar chamado futuro, onde tudo se justifica.
É muita condescendência com o cotidiano, eu sei, mas não deixar o dia de hoje partir inutilmente é o único meio de nós aguardarmos com entusiasmo o dia de amanhã....

Martha Medeiros

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